domingo, 23 de outubro de 2011

A dona da casa abandonada

 Posso prever o futuro.Serei uma velha ranzinza.Por isso, escolho ficar sozinha.
Quero uma casa grande e vazia.E que a janela tenha vista para a rua principal.Quero beber meu conhaque e observar os tolos que por ali passam.Beber sempre me proporciona boas risadas.Observar os seres humanos insignificantes então, me embriaga. Não que eu seja mais importante que eles.Pelo contrário, eu sou um caso à parte.
Sou a dona da casa abandonada,aquela que as crianças dizem ser assombrada.
Depois de velha,virei assombração.Quando me descuido, acabo fazendo uma aparição.Meu rosto por de trás da cortina de renda que um vento forte balançou.Fico pensando se alguém da calçada olhou para cima e me flagrou.Precisarei ser mais cuidadosa, se eu quiser me manter assim, inexistente.Assim assombração fazendo breves aparições e sendo flagrada por um estranho qualquer que pela calçada passou.
As correspondências vão se acumulando na porta de entrada, devem ser cobranças. Nenhuma carta, não existem remetentes para que me mandem cartas.Desconfio que até o carteiro pensa, que não existe ninguém vivo nesta casa.
A campainha há tempos não toca, a não ser quando as crianças encapetadas apertam e saem correndo. Correm de medo. Como são burras, tem medo de fantasma. Seres sobrenaturais não podem fazer nada. Os humanos que andam em plena luz do dia, sim. Mas são crianças, ainda não entendem de nada. Um dia serão velhos, assim como eu, passarão a ver a vida de um jeito mais amargo.
Todos os jovens de hoje, um dia de alguma forma serão esquecidos. Se não pelos queridos, pela sociedade. As tatuagens perderam a vida no corpo que ficou velho e enrugado. Os pulmões de tão fracos, não aguentaram nem mais um trago de cigarro. Os amigos a maioria estarão enterrados. E o que restará será a saudade. Saudade de quando eramos todos jovens e a morte parecia algo distante de acontecer. Agora ela parece tão próxima, tão certeira, e ao mesmo tempo tão amiga.
E o que me deixou ranzinza não foi a velhice. Não foram as rugas no rosto que um dia foi belo e jovem. Não foi a saudade dos queridos que a amiga morte levou antes de mim. Não foi o tempo que passou.
A solidão foi algo que desde jovem eu planejei. E o meu humor que nunca foi dos melhores, continua do mesmo jeito. Continuo com a minha acidez. Ranzinza desde criancinha, sou assim. Sempre tive uma velha dentro de mim. E o instinto à ser assombração sempre esteve aqui. Por fim, decreto que no meu futuro serei sozinha.Saberei viver em paz em minha velhice.
 E tudo isso hoje eu posso prever, imaginar e dizer. Enquanto da calçada olho pra cima e flagro uma mulher de cabelos brancos me olhando da janela de uma casa, que até então eu pensava ser abandonada.

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